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Parece zoeira, mas a remoção de uma piada dos manuais da GNU C Library inspirou um grande debate que culminou naquilo que o título sugere. Quem realmente controla a glibc e como o projeto é governado?

No final de Abril, Raymond Nicholson enviou um patch ao manual da glibc removendo uma piada da função abort() que não parecia útil aos leitores. Esta piada foi criada nos anos 90 por Richard Stallman que solicitou para que não fosse removida dos manuais. Após um certo grau de consenso, o mantenedor Carlos O’Donell rebateu RMS sugerindo que piadas são contraprodutivas em manuais, podem ser mal interpretadas e até ativar gatilhos mentais em pessoas que passaram por situações envolvendo aborto e traumas relacionados ao mesmo. RMS rebateu, alegando que manuais não são “lugares seguros” e devido ao uso da palavra aborto e seu impacto na história ela deve ficar, e que ter filhos é mais traumático que um aborto, sendo necessário um aviso sobre este assunto também nos manuais.

Independente se a piada é boa ou não, a wiki do projeto deixa claro que as decisões são tomadas baseadas num modelo que envolve consenso, e que neste caso, o consenso foi claro ao classificar a piada como não apropriada. Stallman foi categórico em sua resposta: Minha decisão é a de manter a piada. Weinberg recusou reverter a alteração enquanto Stallman bateu o pé: Reforço minha decisão de manter a piada. O’Donell admitiu ser um erro não ter contactado RMS antes de remover a piada, mas reforçou a importância da decisão consensual e que não se sente culpado em aplicar algo que foi decidido pela maioria. Weinberg apoiou tal ação.

Não convencido Stallman acabou usando seu argumento maior: “Como líder do projeto GNU, eu sou o responsável pelo que é publicado em seus manuais e decido também qual é o critério de decisão.” Mais tarde, um reforço de sua opinião veio com a mensagem: “Eu utilizo minha autoridade sobre a Glibc muito raramente — e quando o faço, falo diretamente com os mantenedores oficiais. Faço tão raramente que alguns de vocês acham que são totalmente autônomos. Mas este não é o caso. E nesta questão particular, eu tomei uma decisão a muito tempo atrás e deixei claro onde todos pudessem ver”.

O’Donell reforçou que nesta situação diversos mantenedores não concordam, que não iriam reverter os patches e que a piada não voltaria sem que um consenso fosse atingido. Isto não impediu Alexandre Oliva, que evidentemente compactua com as opiniões de Stallman revertesse o patch, sob a alegação de que foi “rude” a aplicação do patch sem uma prévia consulta ao Stallman e que ele estava revertendo um movimento que parecia ser o de alguém “na pressa” para aplicar algo, legitimando um “erro”. O’Donell mais uma vez rebateu, frisando que esta reversão utiliza apenas o individualismo de ações, ignorância aos princípios da comunidade e falta de consenso, e que na decisão de aplicar o patch havia um consenso de pelo menos 3 mantenedores.

Stallman e a FSF tem um histórico de decisões unilaterais. Em 2012, o projeto GnuTLS teve suas desavenças com a FSF, e quando seu criador Nikos Mavrogiannopoulos resolveu remover o GnuTLS do guarda-chuva GNU por conta de divergências com a Fundação, e Stallman foi direto relembrando o desenvolvedor que ele passou para a FSF a tutela legal, e que ele não era o dono do projeto, apesar de tê-lo criado. Obviamente, Nikos se arrepende de ter transferido os direitos.

Até onde este tipo de decisão gerenciada por um indivíduo ou instituição é benéfico para um projeto de código aberto ou software livre?

Referência: Who controls glibc?